Umberto Eco e a legião de imbecis na internet, ou “o aparente … mente…”

“A dúvida é o princípio da sabedoria” 1

“O ignorante afirma, o sábio dúvida, o sensato reflete” 2

(Aristóteles)

O grande diferencial ou vantagem evolutiva da espécie humana não é (somente) biológico, mas principalmente, social/cultural. A vida em grupos nos garantia a segurança necessária contra predadores e outras ameaças nos primórdios da espécie humana. Ela também impunha, de uma certa maneira, a comunicação (via uma linguagem (DUNBAR 1993) cada vez mais complexa, capaz de transmitir conceitos abstratos), o compartilhamento de conhecimentos, a cooperação (BOYD; RICHERSEN 2009) e a articulação social. Nestas condições a espécie humana, mais que nenhuma outra, desenvolveu a Cultura. Esta foi o grande vetor das mudanças ocorridas na espécie humana desde a, pelo menos, cerca de 200.000 anos, e a maior vantagem evolutiva de nossa espécie. A Cultura mais que a Biologia é a responsável pelas grandes mudanças na espécie humana.

Homens vivendo nos mesmos agrupamentos sociais estão, de um modo geral, sujeitos influências sociais semelhantes. Por sua vez, condicionados pela nossa biologia, temos aparelhos sensitivos semelhantes, de modo que nossas impressões da realidade também são semelhantes. Além disso a vida em grupo impõe, de uma certa maneira, que ajustemos nossas impressões do mundo e cheguemos a consensos. É o que afirmam Brookes e Saab e Risk, autores da área de Ciência da Informação e Organização do Conhecimento, nos seguintes textos:

Whatever we may claim, each of us has a subjective view of those aspects of the world and its affairs that relate to our interests. As each subjective vision is liable to differ from any other, amicable social life requires us to reduce the risks of disagreements by establishing socially agreed standards, rules and regulations… for the conduct of social affairs. Subjective assertions about any issue are critically compared and modified by those concerned until some socially agreed consensus is established. This continuing social effort to correct the errors that our subjective responses lead us into what I call objectification. (BROOKES, 1980, p. 209).

Though sense making is a process of an individual, it also takes place in a shared environment that produces similar experiences in cognitive agents who are furthermore embedded in similar sociocultural contexts. These two factors—sharedness and embeddedness—lead to a streamlining of the individual sense-making processes towards a cultural meaning-making process. This streamlining comprises a continuous, mutual adaptation of individual sense and social meaning via communication and collaboration. (SAAB; RISS 2011, p. 2243)

A vida em sociedade impõe assim, estes ajustes de impressões e visões do mundo individuais, para que os indivíduos possam se articular e cooperar. Isso pressupõe o debate e a crítica constantes. É neste contexto que podemos ver a citação de Umberto Eco sobre a Internet ter dado voz a uma multidão de imbecis.

Para Wilhelm Reich (1974) em sua obra Psicologia de Massas do Fascismo o fascismo é a expressão da estrutura irracional do caráter do cidadão comum. A estrutura hierárquica da sociedade, na política e na produção cria a “atitude passiva e servil do homem pequeno-burguês diante das figuras dos dirigentes” (p. 53). Vimos isso recentemente com Trump nos EUA, com a questão do Brexit no Reino Unido e com Bolsonaro no Brasil. Aos “influencers” e “messias” das redes digitais, a multidão de seguidores só pode, só tem como aportar, a crença neles.

Mas “o aparente … mente”. A realidade que a espécie humana vem desvendado ao longo de sua história é complexa, em especial a realidade social. A Ciência é o melhor mecanismo que inventamos para desvendar a complexidade do mundo e superar o “aparente”. Com na Ciência, ao invés de discursos individuais e solitários, acreditados por multidões acríticas, o que vai garantir a Cultura, que foi o que, para o bem e para o mal, nos trouxe até aqui e é o único caminho para tentarmos superar as contradições trazidas por ela, é o debate, a informação/conhecimento, outras visões, a crítica.

Pichação em um muro da Av. Roberto Silveira, Icaraí, Niterói, RJ

Notas

1 Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/d%C3%BAvida-%C3%A9-o-princ%C3%ADpio-da-sabedoria-rodrigo-almeida/?originalSubdomain=pt

2 Disponível em: https://www.pensador.com/frase/NDMwMA/

Referências

BOYD, Robert; RICHERSEN, Peter J. Culture and the evolution of human cooperation. Phil. Trans. R. Soc. B, v. 364, p. 3281-3289, out., 2009. DOI 10.1098/rstb.2009.0134. 

BROOKES, B. C. The foundations of information science. Part I. Philosophical aspects. Journal of Information Science, 2, Part II, 209-221, 1980.

DUNBAR, R. I. M. Coevolution of neocortical size, group size and language in humans. Behavioural and Brain Sciences, v. 16, n. 4, p. 681-735, 1993. Disponível em: http://www.bbsonline.org/documents/a/00/00/05/65/bbs00000565-00/bbs.dunbar.html?rel=nofollow. Acesso em: 14 jul. 2009.

REICH, Wilhelm. Psicologia de Massa do Fascismo. Porto : Publicações Escorpião, 1974.

SAAB, David J.; RISS, Uwe V. Information as ontologization. Journal of the American Society for Information Science and Technology, v. 62, n. 11, p. 2236-2246, 2011.

WOLF, Eduardo. Umberto Eco e a legião de imbecis na internet. Fronteiras, 2021. Disponível em: https://www.fronteiras.com/leia/exibir/umberto-eco-e-a-legiao-dos-imbecis-na-internet. Acesso em: 27 jan. 2024.